A guerra interna a Rui Rio e os "inadiáveis" contra Sá Carneiro
Há guerra interna à direção de Rui Rio. É pública, notória e ruidosa. Há até quem compare este momento à chamada crise dos "inadiáveis", que juntou figuras como Pinto Balsemão e Rui Machete contra a estratégia de Sá Carneiro. Mas o atual clima de crise no partido tem bases ideológicas e pode levar a uma cisão interna como em 1978?
O movimento de contestação à liderança de Rui Rio que começou no congresso em que foi consagrado líder do PSD e nunca mais abrandou. A direção laranja assume a instabilidade e pede tréguas. Ainda esta quinta-feira, o vice-presidente social-democrata Castro Almeida admitiu, em entrevista ao Público, que há no partido "um clima de divisão, de hostilidade" que não é normal.
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O dirigente social-democrata também se apressou a sublinhar que não há no PSD uma fratura ideológica, divisões programáticas. "Não há os socialistas e os liberais, não há aqui os inadiáveis." E até a saída de Pedro Santana Lopes, uma das figuras de referência do partido, é retirada do baralho da possível fratura estrutural. "Foi um problema de disputa de poder", e tão só, resume Castro Almeida. "Não teve poder dentro do PSD, foi procurar uma alternativa que lhe permitisse estar no poder. Não conheço divergências ideológicas."

Rui Rio tem sofrido contestação interna
© FERNANDO VELUDO/LUSA
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É a ala mais liberal do PSD, mais próxima de Pedro Passos Coelho, que maiores críticas tece à estratégia de Rio de aproximação ao PS e de colocar o partido amarrado ao centro. Entre estes críticos destaca-se o deputado Miguel Morgado, ex-assessor político de Pedro Passos Coelho. Mas daí a protagonizar uma cisão com o partido vai uma grande distância.
A tempestade no PSD está ainda num nível muito moderado em relação ao que foi a do período de 1978 das "opções inadiáveis".
O que foi a crise dos "inadiáveis"
A turbulência é quase uma marca identitária no PSD, sobretudo quando o partido está na oposição e o cheiro a poder ainda não se sente no ar. Basta olhar para a galeria de líderes, 18 contando com Rui Rio, para perceber que muitos não resistiram às investidas internas e que os períodos conturbados foram inúmeros.
Alguns dos períodos mais conflituosos ocorreram antes de Cavaco Silva chegar ao leme do PSD, em abril de 1985, e onde se manteve durante uma década. Até lá, em particular sob a liderança de Francisco Sá Carneiro, as reuniões dramáticas, os ataques ferozes entre figuras do partido e as ruturas tiveram uma cadência estonteante. Entre os vários momentos tumultuosos, o maior e mais fraturante foi o das "opções inadiáveis"

Francisco Sá Carneiro, fundador do PSD
© Global Notícias
Temos de recuar a 1975, quando Sá Carneiro abandonou a liderança do partido que fundou em 74, após algumas guerras internas e desapontado com o rumo do país, para perceber o que aconteceu três anos depois.
Depois abandonar a liderança, o fundador do PSD rumou a Paris e só após o 25 de novembro regressaria a Lisboa, altura em que reassume a presidência do partido. Mas a conflitualidade interna mantém-se acesa, sobretudo com a ala eanista do partido. Sá Carneiro demite-se novamente da liderança em 1977, é sucedido por António Sousa Franco, mas mantém-se ativo nas críticas ao que considera uma deriva do partido, fruto da aproximação a Ramalho Eanes. Sousa Franco, que dirigia a ala anti-sá-carneirista do partido, defendia uma maior socialização da economia e também o diálogo mais estreito com o PS de Mário Soares.
Em junho de 1978, 42 dos 73 deputados sociais-democratas assinam um manifesto denominado "Opções Inadiáveis", em claro desafio à estratégia de Sá Carneiro e a um mês do congresso de Lisboa que iria consagrar o seu regresso à presidência do partido.
O manifesto foi assinado, entre outros, pelo próprio Sousa Franco, Magalhães Mota, Marques Mendes, Cunha Leal, António Rebelo de Sousa, Rui Machete, Sérvulo Correia e Nandim de Carvalho. E figuras como Jorge Miranda e Pinto Balsemão também apoiaram o documento numa primeira fase, embora não o subscrevessem. Pinto Balsemão afastou-se do grupo das "Opções Inadiáveis" quando percebeu que o objetivo não era debater democráticamente a estratégia de Sá Carneiro, mas antes derrubá-lo.
Marcelo Rebelo de Sousa, o atual Presidente da República, também esteve próximo deste grupo, mas numa postura de conciliador, tentando criar as pontes entre Sá Carneiro, Mário Soares e o Presidente Ramalho Eanes, pontes que se revelaram impossíveis de estabelecer.
Com a eleição de Sá Carneiro no congresso de Lisboa dá-se mesmo a rutura com alguns históricos do partido, que batem com a porta ao PSD. Foram os casos de Sousa Franco e Magalhães Mota, que funda a ASDI, (Ação Social Democrata Independente). A rutura levou 37 deputados que eram do PSD a assumirem o estatuto de independentes, deixando a bancada social-democrata reduzida a 36 parlamentares, que foi pessoalmente liderado por Sá Carneiro.
O novo partido, a ASDI, liderado por Sousa Franco, veio a candidatar-se às eleições de 1980 aliado ao PS na Frente Republicana e Socialista (FRS). Eleições a que a Aliança Democrática (AD), liderada por Sá Carneiro e formada pelo PSD, CDS e PPM ganhou com maioria absoluta dos votos.
Muita da contestação atual à liderança de Rui Rio também passa pelos deputados sociais-democratas que não se revêm na sua liderança. Mas não se vislumbra ainda nenhum movimento de cisão como o de 1978. Os principais opositores de Rio, à exceção de Miguel Morgado, que também admite a hipótese de vir a concorrer à liderança do PSD, estão fora do Parlamento. Luís Montenegro, Pedro Duarte ou Miguel Pinto Luz, todos eles divergem da estratégia do atual líder mas nunca colocaram a hipótese de um rutura com o partido.