As ameaças aos jogadores. "Vou-te matar, não vales nada, não jogas nada, não vão sair daqui vivos"
Os jogadores Acuña e Battaglia foram os principais alvos dos adeptos, contou o antigo coordenador de segurança da Academia de Alcochete na sétima sessão do julgamento que está a decorrer no Tribunal de Monsanto, em Lisboa.
O antigo coordenador de segurança e operações da Academia de Alcochete relatou esta segunda-feira em tribunal ameaças de morte, agressões e injúrias a jogadores do Sporting, acrescentando que Acuña e Battaglia foram os principais alvos dos adeptos.
Na sétima sessão do julgamento do ataque à academia do Sporting, com 44 arguidos, entre eles o antigo presidente do clube Bruno de Carvalho, que esta segunda-feira marca presença na sala de audiências, Ricardo Gonçalves relatou que desconhecia a ida deste grupo organizado de adeptos à academia, o qual conseguiu chegar até à ala profissional de futebol, na qual estavam os jogadores.
"Pela forma como se deslocaram para a zona [do vestiário], onde estavam o Acuña e o Battaglia, pelo foco nesses dois, presumo que fossem esses dois [os principais alvos]. Faziam ameaças como 'vou-te matar, não vales nada, não jogas nada, não vão sair daqui vivos'", descreveu a testemunha, perante o coletivo de juízes, sublinhando que viu o grupo a entrar na academia e que, no trajeto até à zona dos balneários, tentou demover os arguidos de continuarem, mas que também ele foi ameaçado.
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"Observei ainda os diversos elementos abordarem os jogadores, empurrões, agressões, ameaças, deflagração de engenhos pirotécnicos. Deflagrou uma tocha à minha frente. O preparador físico Mário Monteiro foi atingido. Vi uma geleira a voar pelo ar e um depósito de água. Vi uma série de indivíduos a empurrá-los e a soqueá-los [aos jogadores], um indivíduo a atingir com um cinto o Misic [jogador] e confusão", descreveu Ricardo Gonçalves.
O antigo coordenador de segurança da academia identificou, a pedido da presidente do coletivo de juízes, Sílvia Pires, os quatro elementos da claque Juventude Leonina, com "responsabilidades" nesta claque, os quais seguiam à frente do grupo de adeptos encapuzados que invadiu o espaço, em 15 de maio de 2018: identificou os arguidos Tiago Silva 'Bocas', Válter Semedo, Pavlo Antonchuk 'Ucraniano' e João Calisto Marques.
Viu Jorge Jesus a "levar, pelas costas, um soco"
Segundo a testemunha, estes quatro elementos dirigiram-se aos jogadores Acuña e Battaglia, "que estavam encostados num canto" do vestuário e que sofreram "empurrões e socos", acrescentando que não viu a agressão a Bas Dost, mas que o jogador holandês estava a sangrar da cabeça.
Durante a fuga, afirmou ter visto o treinador Jorge Jesus a "levar, pelas costas, um soco" de um dos suspeitos.
Ricardo Gonçalves indicou que foi o arguido Bruno Jacinto, à data dos factos oficial de ligação aos adeptos, quem lhe telefonou, pelas 16:55, a dar conta de que "iam adeptos à academia", sem precisar o número e o que iriam lá fazer, apesar de o ter questionado sobre isso. O grupo de adeptos entrou na academia "dez a doze" minutos depois.
A testemunha explicou que, após o contacto de Bruno Jacinto, telefonou ao secretário técnico Vasco Fernandes que também desconhecia a ida dos adeptos à academia, e que este iria telefonar a André Geraldes, à data 'team manager'.
Nesse momento, voltou a telefonar a Bruno Jacinto, que, neste segundo telefonema, lhe pareceu "um pouco mais nervoso" e que disse estar a caminho da academia, ficando com a "sensação de que Bruno Jacinto não sabia do que se estava a passar".
Já no exterior da zona dos balneários, mas dentro da academia, Ricardo Gonçalves afirmou ter visto Fernando Mendes, um dos arguidos e antigo líder da claque Juventude Leonina, depois dos factos e de os suspeitos se terem colocado em fuga.
A testemunha questionou Fernando Mendes e outros elementos da claque sobre "o que é que foi aquilo", os quais responderam que "não sabiam de nada, que não tinham nada a ver com aquilo e que apenas tinham a intenção de falar com o treinador Jorge Jesus".
Bruno de Carvalho reuniu-se com staff um dia antes do ataque
Ricardo Gonçalves disse desconhecer como é que Fernando Mendes e os outros elementos entraram na academia, apenas que não entraram com o grupo de "40 a 50 indivíduos" que apareceram a correr pela academia dentro.
A testemunha assumiu que deu, em função da informação que disponha naquele momento, a autorização ao vigilante da academia para a entrada do BMW azul, que serviu depois para retirar este grupo de arguidos do interior da academia, pois "já não estavam a fazer nada na academia", na qual já estava muita gente.
"Se fosse hoje não teria permitido a saída, que foi errada, face ao contexto atual, já depois de ver as imagens. Mas, naquele momento, disse que sim, pois tinha muita coisa em mãos e só queria que saíssem dali", justificou.
A testemunha relatou ainda que o antigo presidente do clube, um dos 44 arguidos no processo, reuniu a 14 de maio de 2018, na academia de Alcochete, com elementos do staff de apoio à equipa principal do Sporting, após o jogo na Madeira, com o Marítimo, que a equipa 'leonina' perdeu por 2-1, falhando a possibilidade de se qualificar para a Liga dos Campeões."[Nessa reunião] questionou os presentes se estariam com ele, acontecesse o que acontecesse. A equipa estava a atravessar um mau momento, pois perdemos com o Marítimo, o que nos impediu de seguir na Liga dos Campeões. Disse [Bruno de Carvalho] que tínhamos muito trabalho pela frente, um título ainda para vencer [Taça de Portugal] e, naquela reunião, quis saber quem estava com ele, acontecesse o que acontecesse. Quem não estivesse, que saísse", explicou Ricardo Gonçalves.
Testemunha ouviu William Carvalho a acusar Bruno de Carvalho de ter telefonado a Mustafá para "ameaçar e agredir os jogadores"
Já no final da sessão da manhã, Miguel Fonseca, advogado de Bruno de Carvalho, pediu ao coletivo de juízes a nulidade desta parte do depoimento de Ricardo Gonçalves, sustentado tratar-se de "conversas privadas", que não têm interesse para o processo. O coletivo de juízes terá agora de decidir sobre este requerimento.
À saída do Tribunal de Monsanto, Bruno de Carvalho não prestou declarações aos jornalistas.
Ricardo Gonçalves relatou ainda uma outra reunião, ocorrida a 7 de abril de 2018, só com o plantel, dois dias após uma derrota com o Atlético de Madrid, e o 'post' publicado na rede social Facebook pelo antigo presidente do clube, a criticar os jogadores.
A testemunha explicou que os elementos do 'staff' não participaram nessa reunião, ficando do lado de fora do auditório, mas que foi possível ouvir "discussão, pois os ânimos exaltaram-se e as vozes aumentaram".
Ricardo Gonçalves disse ter ouvido Bruno de Carvalho a chamar o guarda-redes Rui Patrício de "ingrato, armado em diva, vedeta e mimado". A testemunha afirmou que ouviu igualmente o jogador William Carvalho a acusar Bruno de Carvalho de ter telefonado a Nuno Mendes 'Mustafá', líder da claque Juventude Leonina, para "ameaçar e agredir os jogadores", ao que o antigo presidente do Sporting respondeu que "não fez nada disso" e que ia telefonar a 'Mustafá'.
"Estava a ficar constrangido ao ouvir tudo aquilo e afastei-me", referiu o antigo coordenador de segurança e operações da academia de Alcochete, que continua a ser inquirido da parte da tarde.
Após estas declarações, Bruno de Carvalho levantou-se da cadeira e bateu na porta de vidro que separa a sala dos arguidos da dos juízes e dos advogados, no sentido de chamar o seu advogado Miguel Fonseca, que viria a falar com o arguido alguns minutos depois.