"Há o risco de aparecer um Berlusconi no Brasil"
Em entrevista conjunta à Associação dos Correspondentes Estrangeiros, o prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, fala sobre a raiva contra os políticos em geral e o PT em particular
Assumindo-se empresário e não político, João Doria, do PSDB, lidera as sondagens. Como vê a preferência do eleitorado por alguém fora da política?
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Isso de não ser político é truque. A partir do momento em que se faz uma aliança, em que se faz um plano de governo, o candidato é necessariamente um político. Quando se nega a política, damos margem para aventuras. O perigo depende do aventureiro que apareça. Neste momento no Brasil estão reunidas as circunstâncias para o surgimento de um nome como o empresário e antigo primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi, embora eu ainda não veja com clareza quem.
Mas a que se deve a animosidade contra os políticos?
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Sobrepuseram-se diversas crises e, para a população, é culpa dos políticos que não encontraram o caminho da conciliação. Uma conciliação que ficou inviável.
Boa parte dessa animosidade é dirigida ao seu partido, o Partido dos Trabalhadores (PT). Porquê?
A classe média tradicional ficou ressentida com o PT porque embora os governos a tenham mantido com o mesmo nível de consumo, diminuíram-lhe o status: o pobre aproximou-se e isto para uma certa classe média tradicional é inaceitável, parece que o país não sabe conviver com igualdade de oportunidades.
O PT é acusado de não fazer autocrítica. Tem culpa nesse estado de coisas ou não?
O PT acomodou-se do ponto de vista político não iniciando a reforma que era imperiosa.
No futuro, qual o caminho do partido?
O PT deve trabalhar sem pretensões hegemónicas numa frente de esquerda, com candidatos de outros partidos, há bons quadros dentro do PT e há bons quadros fora do PT. O PT é um ponto fora da curva na história do Brasil, não é comparável a nenhum outro fenómeno do passado, foi fruto da democratização mas foi fundado por movimentos de todos os tipos.
Até que ponto a crise que atinge o PT o prejudica?
Em 2012, quando fui eleito, também havia uma agenda mediática e judicial que atingiu o PT e mesmo assim ganhei. Os eleitores têm sabedoria e à hora de votar fazem cálculos mais complexos do que muitos cientistas políticos ou do que a imprensa.
Que explicação encontra se não se reeleger? Ou se não chegar à segunda volta...
Eles é que vão ter de se explicar se perderem a eleição com tudo a favor deles e contra mim. De qualquer forma vou ganhar.
Há uma onda conservadora no país, como dizem observadores?
A onda conservadora que varre o país tornou-se mais evidente agora graças à agenda mediática. Em 2006 não havia problemas socioeconómicos como agora, havia crescimento, então a oposição não abriu a enorme e perigosa caixa de Pandora do ressentimento e discriminação quer racial, de género, na questão do aborto, na questão da diminuição da idade penal, que abriu agora. Na altura, falava-se só dos desocupados que viviam subsidiados pelo Estado.
A sua gestão foi elogiada por publicações internacionais e, no entanto, a mensagem não chega aos eleitores ou à imprensa local. Sente-se injustiçado?
Desde que ganhei as eleições em 2012 [frente ao favorito José Serra, do PSDB] em São Paulo acendeu-se uma luz encarnada: passaram a tratar-me com falta de respeito, o trato em relação a mim é pior do que o da Fox em relação ao Barack Obama.
PERFIL
Natural de São Paulo, tem 53 anos, é casado e tem dois filhos.
Descendente de libaneses, estudou Direito, Economia e Filosofia e é professor de C. Política na Univ. de São Paulo.
Militante do PT, foi ministro da Educação de 2005 a 2012. Nesse ano foi eleito prefeito.
Como prefeito, foi chamado "visionário" pelo The New York Times e o The Wall Street Journal por ter diminuído a velocidade de circulação na cidade, ter fechado a Av. Paulista aos carros ao domingo e aberto milhares de quilómetros em ciclovias. Mas a maioria dos paulistanos desaprova-o.
Em São Paulo