Colin Powell, o herói que se arrependeu de defender a invasão do Iraque
Filho de jamaicanos, o primeiro-secretário de Estado negro dos EUA personificava o sonho americano. Republicano moderado, morreu aos 84 anos, de complicações da covid-19.
O general [Colin] Powell é um herói americano, um exemplo americano e uma grande história americana", resumia o presidente George W. Bush em 2000 ao nomear o filho de imigrantes jamaicanos para seu secretário de Estado. Veterano do Vietname, estratega da invasão norte-americana do Panamá em 1989, supervisionou em 1991 a Guerra do Golfo. Já na reserva, a sua reputação de homem de honra afastado das tricas do poder tornou-o num ativo valioso nos corredores de Washington. À frente da diplomacia dos EUA, a sua defesa da invasão do Iraque, feita na ONU em 2003, com o argumento (que mais tarde se revelou falso) de que Saddam Hussein tinha armas de destruição maciça, acabou por deixar uma mancha indelével no seu currículo.
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"Perdemos um marido, pai e avô notável e amoroso. E um grande americano", anunciou ontem a família de Powell, confirmando a sua morte aos 84 anos. O antigo general, que lutava contra um cancro, estava vacinado, mas não resistiu aos efeitos da covid-19.
As primeiras reações à morte de Powell não tardaram, com George W. Bush a prestar homenagem a um "grande servidor público" cujos préstimos junto de vários presidentes foram tais que "recebeu a Medalha Presidencial da Liberdade - duas vezes". Também o antigo primeiro-ministro britânico Tony Blair, que trabalhou com Powell na guerra do Iraque, destacou as suas "imensas capacidades e integridade", recordando um "bom companheiro, com um sentido de humor autodepreciativo maravilhoso".
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Nascido no bairro nova-iorquino do Harlem a 5 de abril de 1937, mas criado no Bronx, Colin Luther Powell foi um aluno mediano, que deixou o liceu sem planos definidos para o futuro. Educado num lar que valorizava a América "terra das oportunidades" e onde nem faltava uma fotografia do presidente Franklin Roosevelt, enquanto estudava Geologia no City College de Nova Iorque, alistou-se no Reserve Officers Training Corps, programa criado para identificar futuros líderes militares. "Não só gostei, como era bastante bom naquilo", diria mais tarde. Formado em 1958, integrou o exército dos EUA como segundo-tenente.
Filho de um despachante e de uma costureira, que imigraram da Jamaica para os EUA na década de 1930, Colin recebeu o primeiro treino militar na Geórgia, onde naquele final da década de 1950 a sua cor de pele lhe proibia a entrada em bares e restaurantes.
Em 1962, foi um dos milhares de conselheiros militares enviados para o Vietname do Sul pelo presidente John Kennedy para preparar o exército local contra a ameaça do norte comunista. Acabaria ferido ao saltar sobre uma estaca punji, uma armadilha antipessoal. Seis anos depois do primeiro destacamento, voltou ao Vietname, sendo condecorado por bravura ao sobreviver à queda de um helicóptero, tendo ajudado a tirar três militares dos destroços em chamas.

De volta aos EUA, tira o mestrado na Universidade de Georgetown, em Washington, e consegue uma bolsa na Casa Branca de Richard Nixon. Estrela em ascensão, serviu algum tempo na Coreia do Sul, antes de regressar aos EUA. As promoções sucederam-se à medida que ia servindo nas administrações Carter e Reagan. Em 1987, em plenas "guerras sujas" na América Latina, tornou-se conselheiro de segurança nacional.
E dois anos depois, aos 52, tornava-se o mais jovem chefe de Estado-Maior Interarmas de sempre. E o primeiro afro-americano. Depois de uma primeira crise com a invasão do Panamá, em 1991 foi Powell o estratega da Guerra do Golfo para desalojar os iraquianos do Koweit - acreditando que a força só deve ser acionada quando todos os esforços diplomáticos e económicos falharam. Mas quando a ação militar é lançada, deve ser usada a força máxima para subjugar o inimigo rapidamente, minimizando as baixas.
Ao passar à reserva, em 1993, muitos o viam como futuro candidato à presidência - o que nunca aconteceu muito por influência da mulher, Alma, preocupada com os efeitos do escrutínio público na família. Pai de três filhos, as suas posições liberais podiam facilitar o trabalho com os democratas, mas deixavam-no muitas vezes às avessas com o Partido Republicano. Mesmo se este gostava de o apresentar como exemplo de inclusão.
Ao passar à reserva, em 1993, muitos o viam como futuro candidato à presidência - o que nunca aconteceu muito por influência da mulher, Alma.
Como secretário de Estado de Bush, coube a Powell fazer na ONU a defesa da invasão do Iraque em 2003. Mas quando se soube que as armas de destruição maciça de Saddam não passavam de uma mentira feita em nome da Administração, o próprio admitiu: "Foi uma mancha... e vai ficar no meu currículo. Foi doloroso. Ainda o é agora", disse em à ABC News em 2005.
Afastado da política ativa desde a demissão nesse ano, o afastamento de um Partido Republicano cada vez mais radicalizado à direita era inevitável. Em 2008, Powell apelou ao voto no democrata Barack Obama, tal como em 2016 em Hillary Clinton e em 2020 em Joe Biden. Em janeiro, após o ataque ao Congresso com apoio do presidente Donald Trump, disse mesmo já não se considerar republicano.
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