Parlamento foi "atropelado"? Nomear um executivo que vai cair é "andar a brincar aos governos"
Vasco Cordeiro venceu as eleições regionais mas perdeu o governo para uma aliança entre PSD, CDS e PPM (com o apoio parlamentar do Chega e da IL). Acusa o representante da República de ter atropelado as competências do Parlamento. Os constitucionalistas contrariam esta visão, mas não são unânimes.

Vasco Cordeiro liderava o Governo Regional dos Açores desde 2012.
© Sara Matos/Arquivo Global Imagens
O PS-Açores defende que a decisão de chamar a governar o segundo partido mais votado nas eleições regionais de 25 de outubro é um "claro e inquestionável atropelo" às competências da Assembleia Legislativa Regional.
A acusação foi feita neste domingo por Vasco Cordeiro, até agora presidente do Governo Regional, depois de o representante da República, Pedro Catarino, ter convidado o líder do PSD-Açores, José Manuel Bolieiro, a formar governo. A nomeação resulta de PSD, CDS e PPM se terem coligado, com o apoio parlamentar do Chega e da Iniciativa Liberal, o que garante uma maioria de 29 deputados no Parlamento Regional (que tem 57 assentos).
Mas nem clara, nem inquestionável, nem um atropelo: a tese defendida por Vasco Cordeiro é contestada pelo constitucionalista Jorge Reis Novais. Para o professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, este é o caminho correto: "O representante da República ouve os partidos, se esta aliança é a que lhe dá mais garantias de estabilidade, é esta que deve nomear."
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"Ter mais votos não significa, como é o caso, que se tenha condições para formar governo. E o que interessa ao representante da República é quem está em melhores condições para o fazer. Não faz sentido nomear um governo que se sabe que cairá no Parlamento dez dias depois; isto é andar a brincar aos governos", argumenta Reis Novais.
Uma visão acompanhada por Pedro Bacelar Vasconcelos, que considera que o representante da República nos Açores tomou a decisão "certa". "Não há nenhuma regra na Constituição que imponha que o partido mais votado tenha de ser chamado [a constituir governo]. Não há uma vinculação que obrigue a privilegiar o partido mais votado, nada obriga a que se perca tempo com soluções que estejam inviabilizadas à partida", diz ao DN o deputado da bancada do PS e antigo presidente da comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais.
Bacelar Vasconcelos lembra que esta discussão já foi feita em 2015 quando a coligação PSD-CDS venceu as eleições, mas no contexto de uma maioria parlamentar de esquerda. Apesar do chumbo anunciado do executivo social-democrata, o então Presidente da República, Cavaco Silva, indigitou Passos Coelho como primeiro-ministro - viria a cair 11 dias depois da tomada de posse.
"Cavaco Silva decidiu mal", sustenta Jorge Reis Novais, ao insistir na nomeação de um governo que "durou um mês" - "e sabia-se exatamente o que ia acontecer".
A Constituição determina, no artigo 231.º, que o "Governo Regional é politicamente responsável perante a Assembleia Legislativa da região autónoma e o seu presidente é nomeado pelo representante da República, tendo em conta os resultados eleitorais". Esta formulação é em tudo semelhante à que se aplica às eleições legislativas nacionais: "O primeiro-ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais."
Já Paulo Otero defende uma posição diferente. Admitindo que a Constituição não obriga a chamar o partido mais votado a constituir governo, o constitucionalista aponta para uma "tradição constitucional" nesse sentido na democracia portuguesa. Uma tradição "não escrita" de que é exemplo precisamente a decisão tomada por Cavaco Silva em 2015, diz Paulo Otero, ao indigitar o partido mais votado apesar de já se antecipar que cairia no Assembleia da República pela mão da maioria de esquerda.
Para o catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, o mesmo devia ter acontecido agora nos Açores: o PS devia ter sido chamado a constituir governo e submetido ao crivo do Parlamento, mesmo que o chumbo fosse certo.
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