Sarkomania: da sarkofrenia à sarkofobia
Nicolas Sarkozy. Um ano após concretizar o sonho de infância de aceder ao Eliseu, é o mais popular dos impopulares presidentes franceses. Dezenas de livros e filmes analisam o homem e a forma como tenta ajeitar-se à pose de Estado. Karl Zero, 'enfant terrible' do jornalismo político gaulês, estreou agora em DVD 'Starko', documentário não oficial de 12 meses de presidência
Como é que um presidente pode ser, ao mesmo tempo, uma estrela e impopular?
É um verdadeiro mistério. Só os "maus da fita" dos filmes do James Bond tinham até hoje conseguido este feito.
Como fez para entrar na pele de Sarkozy e encontrar o homem entre as várias personagens que mostra no filme?
Entrevistei-o várias vezes durante os últimos dez anos. Conheço-o quase de cor.
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Parece que se inspirou também nos rumores sobre o presidente…
Claro que sim. Tudo o que ele não pode dizer oficialmente, fá-lo em off através dos seus conselheiros e amigos, através do "disse que disse". Isso permite-lhe fazer passar mensagens, advertências, raivas profundas, sem recorrer aos estereótipos da linguagem oficial.
Hoje é mais difícil encontrar imagens do Presidente fora da pose oficial? Há meses, Sarkozy tinha proibido os jornalistas de filmá-lo, na Índia, quando se descalçava à entrada de um templo.
Sim, ainda mais num momento em que passámos à era da Web 2.0, em que todas as imagens engraçadas ou excepcionais, como o famoso "pisga-te, parvalhão" [frase dita por Sarkozy a um homem que recusou apertar-lhe a mão], são difundidas na rede quase em tempo real. Destas imagens roubadas, muitas provêm de jornalistas acreditados, mas que não me quiseram cedê-las… com medo de represálias.
Em 200, os telejornais em França dedicaram mais de 700 peças a Sarkozy. Há um aspecto da vida do Presidente difícil de ilustrar?
Talvez os seus ataques de cólera. São numerosos, mas sem dúvida nada… cinematográficos.
Como é que um Presidente reputado por controlar os media e o rumo do seu Governo chega a uma situação de crítica permanente na imprensa?
Porque durante seis meses aterrorizou toda a imprensa. Existia uma autocensura insuportável, um ambiente kafkiano de vigilância permanente montado pelo Eliseu, feito de ameaças e meias palavras, de conselhos e de apelos à prudência. Ao primeiro deslize nas sondagens, veio a vingança. Ó da guarda, que atacam o bezerro dourado!
E ao nível do estilo presidencial, tão criticado, Sarkozy não conseguiu, ao fim e ao cabo, marcar uma verdadeira ruptura com os predecessores? Ou os franceses estão ainda à espera de um novo De Gaulle?
Não, penso que nesse ponto ele é sincero: prometeu uma ruptura de tom e manteve a promessa. Ultrapassando todos os limites. Foram os franceses, que se deixaram embalar durante a campanha, que tomaram consciência, depois da sua eleição, que afinal preferem um presidente mais… decorativo.
Um dos seus filmes anteriores é exactamente sobre Jacques Chirac. Na última entrevista televisiva, Sarkozy tentou reconciliar-se com o estilo do anterior presidente?
E não tem outra escolha. Tem de se aguentar no poder durante mais quatro anos. Por isso tem de se "chiraquizar": cortar fitas, visitar lares de terceira idade e dormir o resto do tempo. Não lhe valeu de nada fustigar o imobilismo de Chirac durante 30 anos.
Um psiquiatra francês publicou um livro para explicar uma doença que intitulou de 'sarkose obsessiva'. Depois de um primeiro filme sobre a campanha e agora a primeira época de 'Starko', quais são os seus sintomas desta doença?
Estou em tratamento… Durante meses de montagem com a Daisy [co-autora
do filme], vivíamos numa tensão nervosa vertiginosa e permanente… por
causa das imagens. Elas afectavam-nos no dia-a-dia. Estivemos à beira
de tomar Prozac.
Bling-bling, monarca electivo, beato…
O que é que ainda não se disse sobre a personalidade de Nicolas Sarkozy?
Que é alguém muito rancoroso. E que irá pagar com a mesma moeda a todos os que hoje o massacram, assim que volte a subir nas sondagens.
Sei que prepara um documentário sobre George W. Bush, um grande amigo de Sarkozy. Podemos fazer um paralelo entre estes dois personagens políticos?
Sarko é o seu duplo! Basta traduzir em francês todos os discursos de Bush e ver que são exactamente os mesmos.