Um filho da guerra à procura do sonho paralímpico
Ali Jawad nasceu no Líbano, onde os médicos quiseram matá-lo por ter vindo ao mundo sem pernas. Emigrou para Londres, onde se tornou halterofilista. Um dia antes dos Jogos de Pequim descobriu que tinha a doença de Crohn. Deu a volta e agora quer a glória no Rio
Ali Jawad é uma das grandes esperanças da Grã-Bretanha nos Jogos Paralímpicos do Rio de Janeiro, cuja cerimónia de abertura se realiza amanhã. Aos 27 anos, o halterofilista de origem libanesa procura no Brasil concretizar o sonho das medalhas, que lhe foi roubado nos Jogos de 2008 pela doença de Crohn e em 2012 pelos árbitros. Mas estes foram apenas pequenos episódios de uma vida cheia de reveses, que começaram logo à nascença.
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Foi um misto de emoções por que passaram os pais de Ali Jawad no dia 12 de janeiro de 1989. Viviam no Líbano, no auge da guerra com Israel, e o nascimento do filho era uma fonte de esperança em dias melhores. Só que a alegria depressa foi interrompida pela tristeza de o pequeno Ali ter nascido sem pernas. Pior. Os médicos sugeriram aos pais que tirassem a vida àquele recém-nascido. Recusaram, pois claro, e nesse instante tomaram uma decisão. Tinham de deixar o seu país para que pudessem dar uma vida condigna ao filho. Foi por isso que emigraram para o Norte de Londres. Ali tinha apenas 6 meses quando chegou a um novo mundo, onde pode ter próteses para conseguir andar e ultrapassar as limitações que o impediam de ter esperança no Líbano.
Desde pequeno sempre revelou aptidão para o desporto, fazendo valer a determinação e tenacidade que herdou dos pais. Chegou a ser guarda-redes nos jogos de futebol na rua e mais tarde praticou judo. Mas aos 16 anos descobriu o desporto que o faria feliz: o halterofilismo. A sua força de braços impressionou os treinadores... tornou-se campeão europeu e mundial de juniores e um dos técnicos disse-lhe mesmo que tinha potencial para ser um atleta paralímpico. "Foi como se me tivessem dado uma segunda vida", revelou numa recente entrevista.
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Chegou aos Jogos de Pequim, em 2008, depois de bater o recorde britânico. Aos 19 anos, o sonho das medalhas crescia à medida que levantava pesos. Só que na noite antes da prova nos Paralímpicos sentiu-se doente. Foi-lhe diagnosticada a doença de Crohn, que afeta o intestino. Era o fim do sonho.
Em 2009, retiraram-lhe parte do intestino e decidiu voltar a treinar. Ali Jawad sabia que podia brilhar nos Jogos de Londres, e o sonho tornou-se realidade. Só que no dia da prova, novo revés. Quando lutava pela medalha de prata, os juízes anularam o levantamento que lhe dava direito a subir ao pódio, de nada valendo os protestos. "Fiquei destroçado, senti-me roubado", recordou.
Na sexta-feira terá a terceira oportunidade de concretizar um sonho. "Hoje estou mais maduro e experiente. Tudo aquilo por que passei mudou-me a vida. Já tive o meu quinhão de má sorte", diz Ali Jawad, confiante de que, no Rio, chegará à glória.