Lixo em Lisboa aumenta no verão: turistas desleixados ou falta de meios de limpeza?
O problema está à vista de todos. Em alguns bairros da cidade de Lisboa, o lixo acumula-se nos passeios e em volta dos caixotes do lixo. Moradores e juntas apontam culpas. A Câmara reconhece "constrangimentos ao serviço de remoção"
Há sacos encostados a contentores já maltratados, restos de bebidas em copos caídos pelo chão, garrafas de vidro em cima de parquímetros, sofás esquecidos na via e mau cheiro, sobretudo para quem passa no Bairro Alto, em Alfama ou no Cais do Sodré. É terça-feira, até já foi feita a recolha de lixo de manhã, mas o cenário que se encontra em várias ruas da cidade de Lisboa é de lixo amontoado.
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Senhorinha Andrade estava a entrar em casa e reclamava com dois rapazes, turistas, que iam a sair do prédio onde vive. Parou para falar sobre o lixo que se acumula na Rua da Atalaia, no Bairro Alto (freguesia da Misericórdia), onde vive há 50 anos: "É a maior porcaria que há aí."
Tem 80 anos, e todos os dias, quando sai de casa, vê que os caixotes espalhados pelas ruas do Bairro Alto estão cheios e, por isso, o lixo é colocado na rua, ocupando as vias. Senhorinha Andrade acredita que a culpa é dos estabelecimentos de alojamento local e restauração, que não respeitam as regras ou horários de recolha do lixo.
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© Filipa Bernardo/Global Imagens
"[Os turistas e os funcionários dos restaurantes] têm ali os caixotes, mas não vão pôr lá o lixo. Vão pôr à porta, é aqui ou acolá", descreve. "Há montes e montes de lixo, quase dá pelos pés" durante a manhã, descreve. E apesar de reconhecer os esforços dos funcionários da autarquia responsáveis pela recolha, afirma que não chega e deixa mais uma queixa: "Agora já nem lavam as ruas, não lavam porque não há pessoal para lavar. É um fedor que não se pode."
Lisboa vai ser a Capital Verde Europeia em 2020, mas ainda não encontrou solução para a acumulação de lixo nas ruas da cidade, que afeta, sobretudo, o Bairro Alto, Cais do Sodré, centro histórico e Alfama. Os lisboetas queixam-se de lixo no meio das ruas e da falta de limpeza do pavimento. Apontam o dedo ao aumento do turismo, que consideram descontrolado, e à restauração. Os presidentes das juntas de freguesia juntam-se ao coro e admitem que os serviços de recolha de lixo da Câmara Municipal são insuficientes, principalmente em agosto.

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Na Rua do Diário de Notícias, Júlio da Silva, que trabalha há oito anos numa loja de conveniência, conta a mesma história da vizinha: "tem havido bastante acumulação" de lixo nas ruas do Bairro Alto e refere que o sistema de recolha implementado - o Bairro Alto é uma das zonas da cidade que mais recolhas diárias tem - só funciona durante o inverno. "No verão não funciona porque é muita gente, é muito lixo", acrescentando a tudo isso uma "falta de civismo".
"Não se fazem limpezas porque não há gente, foi tudo de férias", diz, apontando para os contentores cheios e para a "gordura que fica no chão".
Maria Gabriela Vaz, dona de um café, aponta o dedo à falta de preparação das juntas de freguesia quando se viram a mãos com o aumento dos turistas na capital: "O turismo veio e nunca houve uma solução para isto", explicou, elencando que pelas ruas "é um cheiro a urina que tresanda". Em qualquer dia, a qualquer hora, sublinha. "No Bairro Alto é tudo crítico, a qualquer hora", uma vez que o lixo se "acumula de dia para dia".
Lixo é demasiado para as recolhas
A presidente da Junta de Freguesia da Misericórdia, Carla Madeira, reconhece que "nesta altura do ano existe uma produção muito maior [de lixo] do que no resto do ano" e "mesmo que os serviços [de recolha de lixo] da Câmara não estejam a ter problemas, a produção de lixo é tanta que a recolha não consegue acompanhar as necessidades que existem".
"É essencial haver um aumento no número de recolhas", vincou, porque "neste momento toda a freguesia se tornou numa zona turística" e, por isso, é "fundamental haver recolha todos os dias, de segunda-feira a domingo".

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"A produção de lixo tem aumentado muito e não é devido ao número de moradores", explicou, elencando que "os moradores sabem que só existe recolha à noite e que não existe recolha ao domingo", por isso, "acondicionam o lixo em casa ao domingo e à segunda-feira", mas os "alojamentos locais não, colocam o lixo a qualquer hora, até porque grande parte dos check-out são ao domingo".
"Os alojamentos locais são limpos e o lixo vem para a rua", lamenta Carla Madeira, sublinhado que é necessário que "os estabelecimentos comerciais adaptem a sua atividade comercial à recolha de lixo que existe na zona" e que as multas devem ser "para todo o tipo de estabelecimentos".
"Precisamos de mais meios humanos e instrumentos mecânicos"

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O cenário é semelhante em Alfama. Há caixas de cartão, pedaços de móveis e sacos do lixo amontoados no meio das ruas ou nas esquinas e que dificultam a passagem de peões. Fernanda Pereira, de 62 anos, nasceu em Alfama e não tem dúvidas de que "agora há mais lixo do que antigamente" e que volta a ficar aglomerado pouco depois das recolhas. "A qualquer hora [os turistas] colocam lixo à porta, não se ralam", vinca.
Na Rua de São João da Praça, pelas 12:30, um camião de recolha de lixo da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior passa para recolher lixo deixado nas ruas, mas vai embora deixando um amontoado de caixas de cartão e sacos numa esquina. O veículo já não tem capacidade para recolher mais durante aquele turno. Este é um cenário que se repete, segundo os moradores.
O presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, reconhece que "há um maior afluxo de visitantes, quer nacionais, quer estrangeiros" e que "isso tem uma influência muito grande" na produção de lixo na freguesia. "Temos cerca de 14 mil habitantes e temos visitantes diários na ordem das 250 mil pessoas", explica.
"Precisamos de mais meios humanos e instrumentos mecânicos e para isso precisamos de meios financeiros", reflete o presidente da Junta de Santa Maria Maior, uma das mais afetadas pela acumulação de lixo nas ruas, que vê "com grande expectativa" o anúncio feito pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina (PS), de que vai ser feito "um acordo com as juntas, para começarem a receber uma componente da taxa turística" que vai ser utilizada na higiene urbana.

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A notícia foi avançada pelo DN, em 8 de julho: a Câmara de Lisboa vai destinar cinco milhões de euros da taxa turística cobrada pelas dormidas na cidade à limpeza urbana das freguesias da capital mais afetadas pela pressão turística. As juntas de freguesia de Santa Maria Maior, Misericórdia e Santo António vão arrecadar quase metade do valor total - 2,3 milhões de euros. Já a Junta de Santa Maria Maior, que gere zonas como a Baixa, a Sé, o Castelo de São Jorge ou Alfama, leva uma fatia de 1,3 milhões.
De acordo com o relatório que sustenta a atribuição destas verbas, elaborado pelos serviços da autarquia e ao qual o DN teve acesso, depois de Santa Maria Maior (que recebe 27% do valor total) surge a Misericórdia, com 564 mil euros (11,2%), seguidas por Santo António (435 mil euros) e Arroios (330 mil). Há quatro freguesias que, para já, não são contempladas com qualquer verba: Santa Clara, Benfica, Carnide e Marvila. O documento camarário conclui que não há pressão turística que justifique um aumento do investimento financeiro.
Mais de um mês depois, ainda nada chegou às juntas de freguesia. Mas o verão veio em força e os turistas também. "Estamos à espera que se concretize", vinca Miguel Coelho, presidente da Junta de Santa Maria Maior, que apanha os bairros de Alfama, Baixa, Chiado, Castelo e Mouraria.
Numa nota enviada ao DN, a Câmara Municipal de Lisboa afirma que a proposta "deverá ser aprovada este ano, em reunião de Câmara e Assembleia Municipal", e que deverá passar para as juntas de freguesia "a partir do próximo ano". O município da capital refere também que"a limpeza [das ruas] é da responsabilidade das juntas e que, por isso, só elas podem falar da redução dos trabalhadores dedicados a essa competência". Quanto à autarquia, "não teve redução de trabalhadores na competência de remoção" e apenas tem "mais trabalhadores em férias", admitindo que "isso cria constrangimentos ao serviço de remoção".
A Câmara de Lisboa deixa, contudo, a ressalva de que "a zona histórica é a menos afetada na remoção" de lixo e que, depois transferidas as verbas da taxa turística, "caberá às juntas de freguesia fazer o reforço das suas equipas de limpeza".

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Opinião diferente tem o presidente da Junta de Freguesia de Santo António (que se estende entre a Baixa da cidade e o Marquês de Pombal), Vasco Morgado, refere que "as regras do lixo não são respeitadas por ninguém", mas não considera que haja "excesso de lixo" durante a semana."De domingo para segunda-feira acontece [a acumulação] porque não há recolha". Vasco Morgado lembrou que "há dois tipos de resposta" na recolha do lixo: a recolha dos caixotes pele autarquia e a lavagem das ruas e que é competências das juntas de freguesia.
Acaba, contudo, por contradizer a opinião inicial e admitir a carência na recolha da cidade: "Não há recolha eficaz em Lisboa, mas não é culpa da Câmara de Lisboa, é porque não há dinheiro suficiente para combater este flagelo e porque há um dia de paragem", considera, elencando que a capital portuguesa "não devia ter paragens na recolha do lixo" e também que "existe falta de meios humanos numa altura que é de férias".
As diferentes formas de recolha de lixo praticadas em Lisboa
De acordo com a página oficial do município da capital, existem três "sistemas de recolha seletiva para os materiais recicláveis, de acordo com a morfologia urbana, tipologias do edificado e características funcionais de cada área da cidade": recolha por ecopontos e vidrões, por ecoilhas e porta a porta.
A recolha de resíduos urbanos através de ecopontos e vidrões funciona com estações espalhadas pela cidade, "é o sistema mais antigo de recolha seletiva do município", mas tem "vindo a ser substituído pela recolha seletiva porta a porta", segundo a informação camarária disponível. A recolha por ecopilhas é praticada nos "bairros periféricos da cidade", através de "conjuntos de contentores de grande capacidade instalados na via pública" e "num só local estão disponíveis contentores para a deposição dos resíduos indiferenciados, bem como contentores destinados à separação dos resíduos recicláveis".
A recolha seletiva porta a porta é realizada "ao domicílio, através de contentores atribuídos aos edifícios" e, desde 2003, também é feita a recolha de papel, cartão e embalagens de plástico, a "funcionar em complementaridade com a rede de vidrões". O sistema porta a porta "assenta na recolha, em dias alternados, dos diferentes tipos de resíduos" e os horários, "dias de recolha e equipamento de deposição utilizado (contentores, sacos, fardos de papel) podem variar de zona para zona de acordo com a localização" na cidade.
A área ocidental da cidade (que engloba as freguesias de Belém, Ajuda, Campo de Ourique, Estrela, Misericórdia, Santo António, Campolide, Benfica, São Domingos de Benfica e Carnide) tem recolha porta a porta de indiferenciados à terça, quinta-feira e sábados, de embalagens à segunda e sexta-feira e de papel à quarta-feira.
A zona oriental (que integra as freguesias de Santa Maria Maior, São Vicente, Arroios, Penha de França, Beato, Areeiro, Avenidas Novas, Alvalade, Marvila, Olivais, Lumiar, Santa Clara e Parque das Nações) tem recolha de indiferenciados à segunda, quarta e sexta-feira, de embalagens à terça-feira e sábado e de papel à quinta-feira.