No Peru a quarentena é controlada à chicotada por brigadas de camponeses
São as "rondas campesinas", eleitas pelo povo e reconhecidas há décadas para travar os extremistas do Sendero Luminoso. Atualmente exercem vigilância sobre as regras de isolamento social e aplicam castigos controversos.
Na década de 1980, os camponeses das regiões dos Andes do Peru organizaram-se em brigadas para se defenderam dos grupos rebeldes de esquerda, como o Sendero Luminoso. Décadas depois essas brigadas são reativadas mas de forma mais pacífica e com o objetivo de controlar o contágio de coronavírus, num país que regista muitas infeções, à semelhança do que se passa em quase toda a América Latina.
São quase 230 mil os casos de covid-19 no Peru, onde já foram registadas cerca de 6700 mortes, com a forma como estas milícias populares atuam a ser controversa. As "rondas campesinas" impõem a ordem com punições severas, incluindo chicotadas, como mostram, por exemplo, imagens vídeo difundidas pelo jornal espanhol El Mundo no Twitter.
Latigazos para los que incumplen las restricciones contra el coronavirus.
Las llamadas rondas campesinas son las encargadas de castigar a aquellos que incumplen las normas impuestas durante el estado de emergencias por el coronavirus en Perú. pic.twitter.com/dBAK5fyyGZ
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"De acordo com o crime cometido, podemos punir com chicotadas", disse Aladino Fernández, presidente de uma dessas brigadas, em Cajamarca, numa conversa telefónica com a agência Reuters. "Um crime grave pode levar a cerca de 15 chicotadas", exemplificou.
Estas brigadas são grupos de pessoas eleitas numa assembleia popular que, de acordo com os seus costumes, resolvem casos de justiça peculiares, como infidelidades e roubos de galinhas, e pode aplicar castigos a autarcas, juízes e outros "maus funcionários".
Após a sua criação, na década de 1970, as rondas campesinas expandiram-se para os Andes, zona montanhosa e rural, e outras áreas semelhantes do país onde o estado está praticamente ausente. Nas cidades e áreas urbanas, são a polícia e os juízes que fazem cumprir a lei e a ordem.

Imagem da ronda campesina na região de Cajamarca
Desde que a quarentena foi declarada em março para, as rondas camponesas de Cajamarca, localizada na parte central norte do país, fecharam as fronteiras e impuseram o isolamento social da população.
Na região, a pandemia está sob controlo. O ministro da Defesa, Walter Martos, disse recentemente que Cajamarca regista 1.279 casos e 16 mortes, numa população de 1,3 milhão de habitantes, sendo uma das regiões mais populosas do país.
No sul de Puno, com 1,2 milhão de habitantes, existem 566 infeções e 13 mortes. Nesta região, as rondas também assumiram o controlo após o início da quarentena.
"Para a pessoa se corrigir, de acordo com os nossos avós, tem que haver três chicotadas. Se houver duas, a pessoa não se corrige, essa é a crença", disse Vinter Apaza, presidente das brigadas de camponeses de Puno.
Durante a quarentena, as rondas também puniram autarcas, policias corruptos e diretores de saúde que não cumpriram a restrição obrigatória, segundo a imprensa local.
Embora os detratores digam que estas organizações usam a violência, as suas atividades são reconhecidas pela lei peruana e desempenharam um papel importante na luta contra os insurgentes do grupo maoísta do Sendero Luminoso, que queriam chegar ao poder com armas no final do século passado.
Na luta contra a pandemia, as autoridades peruanas tiveram dificuldades em impor restrições nas cidades do litoral e da Amazónia, para as quais ordenaram medidas mais rígidas do que no resto do país.
No entanto, regiões costeiras como Lima, Piura e Lambayeque contam entre milhares e centenas de mortes, com hospitais a transbordar e escassez de medicamentos e oxigénio.
Lima, com quase um terço dos 32 milhões de habitantes do Peru, concentra 60% de todas as infeções no país.