"A crise migratória vai manter-se. É preciso uma visão integrada"
António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional das Migrações, foi o orador convidado do Seminário Diplomático, esta quinta-feira de manhã, em Lisboa, tendo criticado as visões populistas que exploram medos e defendido o Pacto Global para a Migração da ONU.
A crise migratória vai manter-se, se não amplificar-se, por isso é preciso uma visão integrada. Esta foi uma das ideias deixadas por António Vitorino, diretor-geral da Organização Internacional das Migrações (OIM), no Seminário Diplomático, esta quinta-feira, no Museu do Oriente, em Lisboa.
Considerando que, no futuro, as migrações e as alterações climáticas são os maiores desafios da humanidade, o ex-ministro português, orador convidado deste evento, criticou as forças populistas que exploram medos associados às migrações e lamentou que EUA e oito países da UE não se tenham associado ao Pacto Global para a Migração da ONU. Pois, em seu entender, este contém essa visão integrada e, sem ela, não é possível responder às crises migratórias.
"O crescimento da vaga populista vai de par com o retrocesso da cooperação internacional. A deriva nacionalista em curso leva à crítica acesa do multilateralismo. O problema hoje não é a incerteza, é aquilo a que os chineses chamam a impermanência. Decisões unilaterais como abandono de organizações e de acordos internacionais", afirmou, numa clara referência à Administração norte-americana liderada pelo republicano Donald Trump.
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"A deriva populista alimenta-se do ressentimento dos perdedores da globalização e dos que olham para os migrantes como resultado da pressão globalizadora. Medite-se sobre o exemplo da AfD. Nunca passou de um partido marginal. A partir do momento em que fez das migrações o centro da sua política disparou", declarou, referindo-se ao partido de extrema-direita alemão que conseguiu entrar no Bundestag - e em todos os parlamentos dos estados federados - à boleia da sua retórica anti-imigração e das suas críticas ferozes à política de porta aberta da chanceler Angela Merkel.

Diretor-geral da Organização Internacional das Migrações
© Gustavo Bom - Global Imagens
"O tema das migrações é o tema preferido das forças populistas, que constroem um discurso contra as elites, em que a identidade prevalece sobre a economia, em que o debate político acontece num clima altamente polarizador. Os populistas fazem uso das redes sociais. Usam uma linguagem simples. Fácil de ser entendida. Mas não há soluções simplistas para problemas complexos. A questão do controlo das fronteiras é essencial. Era da responsabilidade dos Estados. É um elemento essencial para dar confiança às populações. 70% dos imigrantes irregulares nos países de destino entraram regularmente nesses países. A regularidade ou irregularidade não tem, por isso, que ver com a questão das fronteiras. Por isso é perigoso pedir ao controlo de fronteiras que elimine o problema do controlo das migrações", sublinhou, notando que, em relação às migrações, a dinâmica das perceções não acompanha aquilo que é a dinâmica da vida real.
"Persiste a ideia de que o fluxo migratório é Sul-Norte, quando a realidade mostra que a dimensão Sul-Sul supera. 80% das migrações em África são intra-africanas e não têm como destino a Europa. É com este tipo de perceções que proliferam visões como estas que existem e não é só no Norte. Na Nigéria o nível de rejeição da imigração é de 60%", realçou, citando um estudo do Pew Research. Na Nigéria, refere, mais uma vez, em 2030, haverá 450 milhões de habitantes e, claramente, não haverá postos de trabalho suficientes para toda a gente e as pessoas serão forçadas a migrar. Por isso, o diretor-geral da OIM considera fulcral políticas que antecipem estes cenários.
"O pacto global da ONU não é juridicamente vinculativo mas oferece um quadro de cooperação política entre países de origem, de trânsito e de destino. Sem ele não será possível regular as migrações. Depois há uma aplicação nacional. O pacto estabelece uma ligação entre migrações e desenvolvimento e este é o ponto inovador. Temos que reconhecer que os movimentos migratórios se alimentam das desigualdades, cada vez mais das alterações climáticas, mas a ligação entre políticas migratórias e desenvolvimento não produz resultados imediatos", constatou, admitindo já na sessão de perguntas e respostas que respeita as políticas de todos os países.

António Vitorino foi o orador convidado do Seminário Diplomático, esta quinta-feira, no Museu do Oriente, em Lisboa
© Gustavo Bom - Global Imagens
"Há mais OIM para além do pacto global. Somos uma organização descentralizada. Temos relações bilaterais com os Estados. Tenho respeito pelas políticas migratórias dos EUA", disse, respondendo a uma pergunta de um dos diplomatas presentes na sala. "É preciso uma narrativa equilibrada sobre as migrações, que não ignore os obstáculos, mas que ao mesmo tempo não negue o papel que podem ter as migrações ordenadas. Sem deixar de levar em conta as resistências das comunidades de acolhimento. Há racismo e xenofobia, mas seria um erro grave de análise achar que todos aqueles que têm resistência às migrações têm motivações racistas e xenófobas", sublinhou ainda o ex-comissário europeu para a Justiça e Assuntos Internos da UE.
"Nesta matéria", admitiu Vitorino, "não há fórmulas mágicas, cada caso é um caso". O diretor-geral da OIM, agradecendo todo o apoio à sua candidatura ao cargo por parte de Portugal, concluiu: "Portugal é, cada vez mais, um bom exemplo ou talvez, lamentavelmente, uma exceção honrosa, onde nunca as migrações foram usadas para desenhar linhas de divisão política e o consenso sempre existiu. E já agora, como vamos ter eleições em 2019, que depois disso seja assim também".