Palacete Mendonça: o sítio onde Aga Khan vai receber chefes de Estado
Aga Khan visita esta tarde o Palacete Mendonça, futura sede do Imamat. 110 anos depois de ter sido distinguida com o prémio Valmor, está a ser recuperada para ficar como Ventura Terra a projetou e a abertura está prevista para 2019,
Há uma aposta em jogo: em março, quando o DN visitou as obras ao Palacete Mendonça, Nazim Ahmad disse que os salões piso térreo estariam prontos para receber o príncipe Aga Khan, líder máximo da sua comunidade. É ele, representante diplomático do Imamat Ismaili em Portugal, quem tem supervisionado as obras desde que começaram. Conseguiu. As madeiras brilham, cheira a cera na antiga sala de refeições, os tecidos das paredes da sala Luís XV estavam a acabar de ser mudados há uma semana. "Faço questão de mostrar", diz. Hoje, será a vez do príncipe ver a futura sede.
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Começa no parque de estacionamento. "Não há outro assim em Lisboa. Ainda não está acabado e já está uma perfeição", diz, comentando o betão à vista. As escadas que levam ao edifício? "Foram refeitas". As pedras da fachada do palacete? "Estavam negras!" Os brocados desta sala branca estilo império? "Estavam comidos do sol". E isto fora o jardim de inverno com azulejos de Manuel Gustavo Bordallo Pinheiro ou o lustre de grandes dimensões no salão nobre que foi restaurado na sede da Fundação Ricardo Espírito Santo.

O candelabro do salão nobre foi recuperado na Fundação Ricardo Espírito Santo
© Leonardo Negrão/ Global Imagens
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Todas as disciplinas da escola de Artes Decorativas desta Fundação entraram neste projeto com o compromisso de "recuperar tudo" e só refazer caso não fosse possível restaurar. Nazim Ahmad tinha-o dito em março e repete-o agora. Dias antes da chegada do príncipe Aga Khan, havia gente a pendurar tecidos, gente a limpar, gente a retocar tinta, gente a trabalhar no jardim. Um buraco há três meses (literalmente), agora completamente tapado. É agora um espaço verde e amplo com plantas de várias espécies.
O salão nobre era, há uma semana, o mais completo. Num pequeno palco, uma cátedra francesa do século XVI, uma cadeira de madeira e um suporte para ler livros estavam virados para as cadeiras brancas. Tudo preparado para a pequena cerimónia religiosa que aqui terá lugar durante a visita oficial de Aga Khan, que decorre até 12 de julho.
Tudo é retirado em cinco, seis minutos, após a cerimónia. Enquanto os convidados tiram fotografias, 27 jovens desmontam e montam o que é necessário para a receção que aqui tem lugar.
A cara da comunidade ismaelita
Nazim Ahmad é o rosto da comunidade ismaelita em Portugal (entre 8 a 10 mil pessoas), a pessoa a quem coube receber Aga Khan assim que pisou Portugal e que esteve ao seu lado no Palácio de Belém na reunião com o Marcelo Rebelo de Sousa e esta terça-feira na Assembleia (uma agenda preenchida que impediu fotografá-lo no Palacete Mendonça). Nasceu em Moçambique e veio para Portugal em 1976. Diz que as relações do Imamat Ismaili com Portugal sempre foram boas. "Não é por acaso que quando sua Alteza assumiu a tarefa de imam, Portugal é o primeiro país a condecorá-lo". É história: Karim Aga Khan foi condecorado em 1960 pelo presidente Américo Thomaz. Foi a primeira das suas visitas, três anos depois de ter assumido a tarefa para a qual foi incumbido pelo avô Aga Khan III. Já conheceu cinco chefes de Estado em Portugal, como mencionou no discurso que proferiu na Assembleia da República.
A comunidade ismaelita portuguesa cresceu no final dos anos 70 com a independência de Moçambique. "Não tivemos dificuldade de integração, Moçambique era uma colónia portuguesa. Sabíamos tudo sobre a história de Portugal. Sabíamos o que era o Rossio, a Avenida da Liberdade, os rios, havia uma ligação muito forte. Quando a comunidade, aquela que nunca tinha vindo a Portugal chegou aqui, historicamente havia uma ligação forte. E a língua!", diz Nazim Ahmad. É uma ligação de gerações, 70, 100 anos.
A primeira visita de Aga Khan a Portugal após esse movimento migratório que coincide com a independência de Moçambique é em 1983, por ocasião do jubileu de prata. Encontrou-se com Ramalho Eanes e Pinto Balsemão, Presidente da República e primeiro-ministro. Nazim relembra as palavras do líder: "Make this country your home". Façam deste país a vossa casa. É uma máxima dos ismaelitas onde que quer que estejam, sublinha Nazim Ahmad. Mais: "É nossa política, da comunidade, manter o low profile".
Nazim Ahmad tem uma frase simples para explicar quem são os ismaelitas: "Um ramo dentro de um ramo do Islão". Uma pequena comunidade dentro da já pequena comunidade xiíta. "E a interpretação do corão que fazemos é mais aberta". São liberais? "Não vou deixar de dizer que somos." É forçoso falar do papel da mulher e recordar aquela que será uma das mais célebres declarações do anterior imam: "Pessoalmente, entre um rapaz e uma rapariga, daria educação à rapariga."
Outro motivo de orgulho: "Em termos de educação, temos um ratio mais alto de cursos superiores pelo esforço que fazemos para os pais darem educação aos filhos."
O papel do Aga Khan
O papel de Aga Khan é dar diretivas aos seus fiéis, cerca de 15 milhões de pessoas em todo o mundo, entre 8 e 10 mil em Portugal. "O imam vai-nos atualizando. É importante o corão, mas também as diretivas materiais e espirituais do dia a dia."
Milionário, criador de cavadores e líder espiritual, Aga Khan, considerado descendente de Maomé, fundou a Rede para o Desenvolvimento com o seu nome. Reúne várias agências e trabalha a vários níveis - económico, social e cultural. Fatura anualmente 800 milhões de euros, que depois são redistribuídos. O príncipe tem participações em hotéis, uma companhia áerea e uma hidroelétrica no Uganda, entre outros pequenos negócios.
Portugal e o Imamat
Em 2015, era Rui Machete ministro dos Negócios Estrangeiros, acordou transladar a sede do Imamat para Lisboa, que lhe ofereceu as condições que aceitou. Nazim Ahmad assegura que a relação com as forças políticas é boa - à esquerda como à direita. Seguiu-se a aquisição do palacete desenhado por Ventura Terra para o roceiro Henrique Mendonça, e a sua família, que ganhou o prémio Valmor de arquitetura em 1909. A recuperação pode chegar aos 20 milhões de euros e inclui os três hectares do jardim.
"Quando se pôs essa a possibilidade [de transferir a sede], Portugal deu as condições e Sua Alteza aceitou. Vai trazer benefícios às comunidades aqui e em todo o mundo e às comunidades onde as comunidades têm a sua presença", defende Nazim Ahmad.
"Perceberam que Portugal não é contra o Islão", diz Nazim Ahmad. O primeiro passo foi a aprovação da lei de liberdade religiosa, em 2009. "A partir desse momento, pode ver quantas embaixadas vieram para Portugal?"
Será em Portugal, sede mundial dos ismaelitas, que a Aga Khan receberá os chefes de Estado com quem o Imamat tem relações.
A inauguração, já com tudo pronto, está marcada para 2019. "O Imamat Ismaili irá começar a transferir algumas das suas atividades para o magnífio e histórico Palacete Mendonça. Ali, estabeleceremos o nosso departamento para os Assuntos Diplomáticos e o nosso departamento para as instituições do Jamat", referiu Aga Khan na Assembleia da República esta terça-feira, dia 10.